sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

As lições de Nazaré

Nazaré é a escola onde se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho.
Aqui se aprende a olhar, a escutar, a meditar e penetrar o significado, tão profundo e tão misterioso, dessa manifestação tão simples, tão humilde e tão bela, do Filho de Deus. Talvez se aprenda até, insensivelmente, a imitá-lo.
Aqui se aprende o método que nos permitirá compreender quem é o Cristo. Aqui se descobre a necessidade de observar o quadro de sua permanência entre nós: os lugares, os tempos, os costumes, a linguagem, as práticas religiosas, tudo de que Jesus se serviu para revelar-se ao mundo. Aqui tudo fala, tudo tem um sentido.
Aqui, nesta escola, compreende-se a necessidade de uma disciplina espiritual para quem quer seguir o ensinamento do Evangelho e ser discípulo do Cristo.
Ó como gostaríamos de voltar à infância e seguir essa humilde e sublime escola de Nazaré! Como gostaríamos, junto a Maria, de recomeçar a adquirir a verdadeira ciência e a elevada sabedoria das verdades divinas.
Mas estamos apenas de passagem. Temos de abandonar este desejo de continuar aqui o estudo, nunca terminado, do conhecimento do Evangelho. Não partiremos, porém, antes de colher às pressas e quase furtivamente algumas breves lições de Nazaré.
Primeiro, uma lição de silêncio. Que renasça em nós a estima pelo silêncio, essa admirável e indispensável condição do espírito; em nós, assediados por tantos clamores, ruídos e gritos em nossa vida moderna barulhenta e hipersensibilizada. O silêncio de Nazaré ensina-nos o recolhimento, a interioridade, a disposição para escutar as boas inspirações e as palavras dos verdadeiros mestres. Ensina-nos a necessidade e o valor das preparações, do estudo, da meditação, da vida pessoal e interior, da oração que só Deus vê no segredo.
Uma lição de vida familiar. Que Nazaré nos ensine o que é a família, sua comunhão de amor, sua beleza simples e austera, seu caráter sagrado e inviolável; aprendamos de Nazaré o quanto a formação que recebemos é doce e insubstituível: aprendamos qual é sua função primária no plano social.
Uma lição de trabalho. Ó Nazaré, ó casa do “filho do carpinteiro”! É aqui que gostaríamos de compreender e celebrar a lei, severa e redentora, do trabalho humano; aqui, restabelecer a consciência da nobreza do trabalho; aqui, lembrar que o trabalho não pode ser um fim em si mesmo, mas que sua liberdade e nobreza resultam, mais que de seu valor econômico, dos valores que constituem o seu fim. Finalmente, como gostaríamos de saudar aqui todos os trabalhadores do mundo inteiro e mostrar-lhes seu grande modelo, seu divino irmão, o profeta de todas as causas justas, o Cristo nosso Senhor. (Das Alocuções do Papa Paulo VI - Alocução pronunciada em Nazaré a 5 de janeiro de 1964. In Oficio das Leituras. Festa da Sagrada Família. 30/12/2016).

domingo, 25 de dezembro de 2016

Palavra-Luz

Hoje é dia de Natal. Dia de contemplar a presença de Deus, feito homem, como criança, no meio de nós.
Recordo o Gênesis, onde Deus convivia com a humanidade. A narrativa da criação dos seres humanos nos coloca numa intimidade tal com Deus, envoltos em sua graça, que nada poderia nos separar do amor de Deus.
Entretanto, a desobediência humana à vontade divina, nos retirou do paraíso. Da convivência com Deus. De sua graça. Deus, então, promete um retorno. Dá-nos a esperança de que o retorno é possível. A serpente terá sua cabeça esmagada pela descendência da mulher. Se por uma mulher o pecado entrou no mundo, por uma mulher a salvação virá até nós. Se o pecado nos retirou do paraíso, ou seja, da convivência com a graça de Deus, nos será dado um menino, pelo qual virá a remissão dos pecados, abrindo-nos a porta do paraíso.
Hoje é Natal! E quem nos anuncia isso? O mensageiro, aquele que vai pelos vales e pelos montes. Que não se cansa. Que leva a palavra de Deus. Que proclama a paz e a esperança. Que vai adiante dos filhos e filhas de Deus. Que aponta para o próprio Deus que vem ao nosso encontro. Que nasce. Que passa a viver as vicissitudes humana. Que experimenta nossa fraqueza. Que passa a sofrer nossas dores. Que busca anunciar a paz, a misericórdia, a esperança para todos e todas que são por ele amados. Para os que promovem a paz e buscam a justiça. Para os que são misericordiosos.
Hoje é Natal! Contemplamos um menino que nasce. Mas que já existia antes de todos os tempos. Palavra que criou e para a qual tudo foi criado. Palavra que gerou vida, e dessa vida surgiu a Luz para iluminar o caminho dos que andavam nas trevas; na escuridão do pecado; no erro; na intolerância; no desprezo; no ódio; na guerra. Luz que ilumina o mais íntimo do nosso ser. O mais escondido dos nossos segredos. Luz que ilumina a vida. Luz que veio trazer vida, e vida em plenitude.
A Palavra gerou Luz (“Disse Deus: - Exista a luz. E a Luz existiu” Gn. 1,1). A Palavra gerou vida (“Nela havia vida” Jo.1,4a), que é fonte de Luz.
E para que serve a luz? Para iluminar! E para tirar das trevas. Para apontar o caminho; por isso, “como são belos os pés do mensageiro”. Sempre há uma mensagem de paz, de esperança, de fraternidade. De vida!
Hoje é Natal! Uma luz brilha em nossas vidas. Essa luz “verdadeira que ilumina todo homem” (Jo. 1,9), vem ao nosso encontro. E todos que recebem essa luz, tornaram-se capazes de serem “filhos de Deus” (Jo.1,12), pois “não nasceram do sangue nem do desejo da carne, nem do desejo do varão, mas de Deus” (Jo. 1,13). É como disse Jesus a Nicodemos, “se alguém não nascer da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus” (Jo.3,5). E ainda, “se alguém não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus” (Jo.3,3). Quão bela, divina e iluminada experiência, “nascer de novo”. Jesus nasce “de novo”. Sua encarnação é um renascer. É um tornar a vida humana. É um viver essa experiência humana de ser criatura. Esvaziando-se da divindade (Fl.2,6-7), e tornando-se servo de todos, na mesma condição humana, menos no pecado.
Hoje é Natal! Pois, em Jesus Cristo, a lealdade e a fidelidade da lei que fora promulgada por Moisés foi cumprida; “faça-se a tua vontade” (Lc.22,42). E ainda, “seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt.6,10).
Hoje é Natal! E o Filho de Deus nos revela o Pai através do seu nascimento. E o Filho nos revela o Pai através de sua Luz. E o Filho nos revela o pai através de sua Palavra. E o Filho nos revela o Pai através da sua missão de mensageiro.
Hoje é Natal! Sejamos discípulos missionários dessa Boa Nova. Sejamos portadores dessa notícia que foi enviada a todos os povos (os magos), e aos pastores (povo pobre). Sejamos anunciadores da mensagem que hoje celebramos. “Paz na terra a todos os homens de boa vontade”.
Feliz Natal.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

“Deus é uma criança que brinca”(Jacob Boehme)


Aproxima-se o Natal. Festa da esperança, da solidariedade, da fraternidade, do mistério de um Deus que se fez “menino” com ternura e doçura. Um menino que salva. “Deus se humanizou”.
Festa da Esperança. Esperança para aqueles que viram seu mundo desmoronar por causa de uma doença grave, por um filho/filha que tenha morrido, por uma esposa/esposo que tenha perdido seu cônjuge, por um filho/filha que tenha perdido seus pai/mãe, por amigos(as) que tenham perdido seus amigos(as). É festa da Esperança porque são perdas inevitáveis, que nos deixam tristes. É Festa da Esperança porque diante das dificuldades, encontramos forças fazer memória aquilo de bom que vivenciamos juntos. É Festada da Esperança porque há uma espera que não vemos agora, mas que contemplaremos no futuro. É Festa da Esperança porque pelo simples fato de Esperar, vivemos! Vivemos a Espera. A Espera de que os pobres possam ter comida nas mesas, os sem teto, casa para morar; sem terra, espaço para plantar; os doentes, a cura; os famintos, comida; os sedentos, água; os encarcerados, a justiça; os sem salário, a força para continuar na luta.
É Festa da Esperança porque Deus viu a aflição do seu povo, e veio libertá-lo. E como libertou? Através de Moisés. É Festa da Esperança porque Deus quer contar com cada um de nós para a libertação do jugo do opressor seja feita em conjunto, em grupo, em assembleia, em união e unidade. Poderia Deus libertar seu povo sem ajuda de ninguém? Claro que sim. Mas ele não o quis assim. Deus quer nosso envolvimento em todos os seus atos. Até na hora da cura, Jesus perguntava, “o que queres que eu lhe faça”! Deus respeita a condição e a vontade humana, por isso se fez homem, para aprender o que era ser “criatura”.
E Deus se fez ser humano como qualquer um de nós. Da concepção ao nascimento. Estava inserido numa família, pai-mãe-filho. Tinha primos. Morava numa cidade, num bairro, numa casa (apesar de seu nascimento ter-se dado num estábulo, onde vivem os animais). Sentiu dores. Dores de perdas, dores de morte, dores de partida. Chorou quando da morte do seu amigo Lázaro. Alegrou-se quando de sua ressurreição. Encorajou seus companheiros, “não tenhais medo”!
Por isso, é Festa da Esperança.
É Festa da Solidariedade. Solidariedade porque Deus se fez igual a nós (menos no pecado). Deus sentiu as dores dos humanos. Sentiu as necessidades dos humanos. Fez-se um com a humanidade. Encarnou para saber o que era ser humano. Quais as nossas virtudes, e quais as nossas carências. Em sua encarnação pode viver e experimentar tudo o que o ser humano experimenta e vive. Sentiu quais são as nossas provações. Viveu nossos sofrimentos, nossas fomes, nossas sedes, nossas desesperanças e esperanças. Por isso, pode ser solidário com a humanidade. Por isso, disse, “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que estão fazendo”. Por nos ter sido Solidário, pode dizer que “felizes os que promovem a Paz porque serão chamados de filhos de Deus”. Por nos ter sido Solidário, pode dizer, “felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”. Por nos ter sido Solidário, pode dizer, “felizes os puros de coração, porque verão a Deus”.
É Festa da Fraternidade. E o que é ser fraterno? Fraterno é olhar para o outro e se identificar como um ser humano igual. E olhar para o outro e ver nas dificuldades dele/a as mesmas imperfeições minhas. Fraternidade é sofre as dores do outro, com o outro ou pelo outro. Fraternidade é ser injuriado, caluniado, perseguido e sentir-se alegre, pois foram ações sofridas não por mim, mas por todos os que estão sendo perseguidos na história da humanidade. É Festa da Fraternidade porque nos une num só coração. Numa só Esperança, numa só Solidariedade. É festa que nos faz um só coração que anima a todos.
É Festa do Mistério de Deus. E Mistério não se explica. Mistério se acolhe e guarda no coração. Não há explicação lógica para Mistério, se não, deixaria de ser Mistério. É mistério porque nos é inconcebível um Deus fazer-se homem. É mistério porque nos é incompreensível um Deus sentir fome. É mistério porque não cabe na nossa lógica humana um Deus morto por tortura. É mistério porque esse Deus se revela nos mais fracos, nos doentes, nos famintos, nos encarcerados, nos sem casa e terra, nos sem emprego, nos sem salário. É mistério porque esconde na fragilidade de uma criança a remissão dos nossos pecados. É  mistério porque apesar de ser Deus, Todo Poderoso, esvaziou-se de seu poder e assumiu a condição humana, frágil, débil, caída.
“Deus se humanizou”. Quis fazer a experiência de criatura. Tornou-se um de nós, por isso nos entende. Nos acompanha. Está ao nosso lado. Ele é a força. Ele é a Esperança. E ele é o “EMANUEL”, o Deus conosco. O “emanu” (conosco) “el” (Deus). Esse era o grito de guerra do exército de Israel nos tempos antigos. Antes de cada batalha, o comandante gritava três vezes, “emanu”, e a tropa, animada, respondia, “el”.
Queridas e queridos, crentes e não crentes, religiosos(as), sigamos em frente. Ainda há muitas batalhas até o fim da guerra. Mas “Deus está Conosco”. Digamos juntos “emanu – el”.
Duas frases fecham esse texto:
“Sede prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas”. (Jesus Cristo). E sua atualização, “Hay que endurecese, pero sin perder la ternura jamás”.

Feliz Natal! Um Ano de 2017 repleto de conquistas e consolidações dos direitos dos trabalhadores.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

"Emanu El" - Deus Conosco!

Na liturgia católica neste fim de semana, quarto domingo do Advento, uma semana antes da celebração do Natal, meditamos sobre a a formação da Sagrada Família.
O evangelho é de Mateus 1,18-24. Ele narra a chamada "Origem de Jesus". Situa essa origem na perspectiva terrena, sua Encarnação. Tornar-se carne. Passa a ter um corpo carnal. Deixa a sua condição de ser divino, e assume a condição humana (menos no pecado, como disse Paulo).
Mateus nos apresenta três personagens, Jesus-Maria-José. E, é claro, o anjo como mensageiro de Deus.
Ser mensageiro de Deus, essa é a função de Deus. Nosso primeiro ponto de meditação começa aí. Ser mensageiro de Deus na vida das pessoas. Somos sempre chamados a darmos razão da nossa esperança (1 Pedro. 3,15). O anjo anuncia que Deus está agindo na vida daquela família. Que o Senhor precisa de José e de Maria para se cumprir a palavra anunciada pelo profeta. Que eles são escolhidos para serem portadores da encarnação do próprio Deus na humanidade.
Era preciso os dois consentimentos, o primeiro de Maria, agora, o de José. Deus só age na humanidade com o consentimento daqueles que são destinados a estar dentro do projeto de salvação. Deus não nos violenta. Quer que nos aceitemos de coração a missão dada a nós.
Segundo, se Maria era Imaculada, José é o Justo. E ser justo, é aderir "ao misterioso desígnio de Deus, é justo porque se “ajusta” ao modo de agir de Deus, arrisca com Deus, embora os contornos do Seu Plano permaneçam obscuros e, em certos aspectos, incompreensíveis"(Pe. Adroaldo Palaoro,sj). E era "reto, íntegro, autêntico, bom". Tal como Maria, sem dizer uma palavra, deu seu sim a Deus também.
José é o homem que ensina como se ouve a voz de Deus no silêncio. Em nenhum momento do texto José interpela o anjo. Ouve! Medita! Reflete! Acolhe! Acordo do sono que paralisa, e vai agir. Tal como Maria, a mãe, que logo após o anúncio do anjo vai ao encontro de Isabel, José via ao encontro de Maria. Acolhe! Protege! Dá segurança para a obra de Deus.
O evangelista acrescenta que tudo era para que fosse cumprido tal como estava na tradição religiosa de seu povo. A recordação da profecia serve para mostrar que se realizava a salvação para a remissão dos pecados. Se o pecado levou o homem e a mulher a serem "expulsos" do paraíso, a encarnação de Jesus é a garantia do retorno, pois os pecados serão perdoados.
O texto termina falando do Emanuel. Às vezes, entendemos essa palavra como um nome próprio. Entretanto, era um grito de guerra do exército de Israel. Invocava-se a presença de Deus na luta, na guerra, na batalha. O comandante dizia emanu (conosco), e a tropa respondia el (Deus). Assim, se avançava sobre o inimigo. Com "Deus conosco". "Emanu" "El".
Agora, esse Deus vem ao nosso encontro para que possamos vencer a batalha contra o pecado. É um confronto que vai além da guerra física. É uma guerra espiritual. Uma guerra contra aquilo que nos afasta do amor Misericordioso de Deus. Uma guerra contra a falta de solidariedade, de caridade, de acolhimento. Uma guerra contra toda e sofrimento.
Gritar "emanu el" é colocar Deus à frente de todo sofrimento. De ter a certeza e a esperança de que ele está conosco, que está junto, que vai na batalha, que dá o suporte necessário para enfrentar as dificuldades da vida.
Assim, temos a certeza de que estamos entre os povos chamados a "ser discípulos de Jesus Cristo" (Rm. 1,6). Ele é o Deus que está conosco, o "emanu el". 
Certos de que contamos com a vitória em Cristo, celebremos esse Natal com a esperança que nos coloca na vitória diante do pecado.
Então, oremos: Derramai, ó Deus, a vossa graça em nossos corações para que, conhecendo
pela mensagem do Anjo a encarnação do vosso
Filho, cheguemos, por sua paixão e cruz, à glória da ressurreição. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Promessa de salvação ao que espera no Senhor

Livro do Profeta Isaías (32,15–33,6)
Naqueles dias, se derramará sobre nós o espírito do alto. Então, o deserto se tornará jardim e o jardim crescerá como o bosque; no deserto haverá lugar para a honestidade, a justiça terá o seu jardim; a paz será o fruto da justiça,e o cultivo da justiça produzirá tranqüilidade e segurança permanente. O meu povo viverá num ambiente de paz, morando com confiança em lugares seguros. Mas o bosque se desfolhará todo e a cidade terá profunda decadência. Felizes vós que plantais, contando com muitas águas, e soltais livremente o boi e o asno. Ai de ti que roubas sem que ninguém te roube, saqueias, sem que ninguém te saqueie! Ao completares o roubo, virá alguém roubar-te; ao terminares o saque, virão saquear-te. Senhor, tem piedade de nós, que estivemos à tua espera; dá-nos ajuda cada dia, salva-nos na hora da aflição. Fugiram os povos ao fragor do trovão, dispersaram-se com medo de tua presença. Seus despojos se juntarão como um monte de lagartas, e serão atacados como por vorazes gafanhotos. O Senhor é o Altíssimo, pois habita nos céus; ele enche Sião de ordem e justiça. Os teus dias serão de segurança, a sabedoria e a ciência constituem as riquezas da salvação: o teu tesouro é o temor do Senhor.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Conhecimento do mistério escondido em Cristo Jesus

Conhecimento do mistério escondido em Cristo Jesus
Embora os santos doutores tenham explicado muitos mistérios e maravilhas, e pessoas devotadas a esse estado de vida os conheçam, contudo, a maior parte desses mistérios  está por ser enunciada, ou melhor, resta para ser entendida.
Por isso é preciso cavar fundo em Cristo, que se assemelha a uma mina riquíssima, contendo em si os maiores tesouros; nela por mais que alguém cave em profundidade, nunca encontra fim ou termo. Ao contrário, em toda cavidade aqui e ali novos veios de novas riquezas.
Por este motivo o apóstolo Paulo falou acerca de Cristo: Nele estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência de Deus (Cl 2, 3). A alma não pode ter acesso a estes tesouros, nem consegue alcançá-los se não houver antes atravessado e entrado na espessura dos trabalhos, sofrendo interna e externamente e sem ter primeiro recebido de Deus muitos benefícios intelectuais e sensíveis e sem prévio e contínuo exercício espiritual.
Tudo isto é, sem dúvida, insignificante; são meras disposições para as sublimes profundidades do conhecimento dos mistérios de Cristo, a mais alta sabedoria a que se pode chegar nesta vida.
Quem dera reconhecessem os homens ser totalmente impossível chegar à espessura das riquezas e da sabedoria de Deus! Importa antes entrar na espessura das labutas, suportar muitos sofrimentos, a ponto de renunciar à consolação e ao desejo dela. Com quanta razão a alma, sedenta da divina sabedoria, escolhe antes em verdade entrar na espessura da cruz.
Por isso, São Paulo exortava os efésios a não desanimarem nas tribulações, a serem fortíssimos,enraizados e fundados na caridade, para que pudessem compreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura, a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo conhecimento, a fim de serem cumulados até receber toda a plenitude de Deus (Ef 3, 17-19).
Já que a porta por onde se pode entrar até esta preciosa sabedoria é a cruz, e é porta estreita, muitos são os que cobiçam as delícias que por ela se alcançam; pouquíssimos os que desejam por ela entrar.
Do Cântico espiritual, de São João da Cruz, presbítero (Red. B, str. 36-37, Edit. E. Pacho, S. Juan de la Cruz, Obras completas, Burgos, 1982, p. 1124-1135). (Sec. XVI)

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Choro!

Choro!
Choro pelos meus filhos!
Choro pelos meus netos! 
Choro pelos idosos!
Choro pelos pobres!
Choro pelos estudantes!
Choro pelos professores do ensino fundamental!
Choro pelos doentes pobres!
Choro pelos que não vão se aposentar!
Choro pelos que vão morrer!
Choro!
"Mas, aí de vós ricos: comecem a chorar e gritar por causa das desgraças que estão para cair sobre vós. Suas riquezas estão podres, suas roupas foram roídas pela traça; o vosso ouro e vossa prata estão enferrujados. Vós amontoastes tesouros para o fim dos tempos. Vejam o salário dos trabalhadores que fizeram a colheita nos vossos campos: retidos por vós, esse salário clama, e os protestos dos trabalhadores chegaram ao ouvido do Senhor. Vós tivestes na terra uma vida de conforto e luxo; vós estais ficando gordo para o dia da matança! Vós condenastes e matastes o justo, e ele não conseguiu defender-se" (Tg. 5,1-6).

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

"Como são belos os pés que anuncia a paz"!

Hoje celebramos a Festa de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina.
Dois textos se completam os textos litúrgicos de hoje. Um, o evangelho de Lucas (1,39-47), e outro, na liturgia das horas, Ofício das Leituras, tirado de Isaias (52,7-13).
Nos dois textos, que se complementam, como é bom ver a ação de Maria. Mulher forte e guerreira. Ciosa do sofrimento de seu povo. Sabedora de que somente Deus é aquele que dá a paz. Uma paz que leva ao serviço. Que não acomoda. Nem fica sentada. Uma paz que anuncia sem dizer uma palavra: "Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar"? Disse Isabel ao ouvir a saudação de Maria. O que teria Maria dito para que a criança, que Isabel trazia no ventre, pulasse de alegria? A saudação, acredito eu, deve ter sido, שלום, ou seja, Paz, Shalom. E porque essa saudação? Pois, como diz Isaias, "Como são belos, andando sobre os montes, os pés de quem anuncia e prega a paz, de quem anuncia o bem e prega a salvação e diz a Sião: “Reina teu Deus"! Maria conhecia esse texto. Sabia que deveria anunciar a paz. Sempre. Onde estivesse. Mas, mais do que anunciar a paz, ela trazia o príncipe da Paz. Jesus fará a oração da Paz junto aos discípulos.
A Festa que celebramos hoje, encontra-se em sintonia com a mensagem do Natal que se aproxima. Sempre o Natal deve ser celebrado em Paz. Deve anunciar a Paz. Nos levar a verdadeira paz tão esperada por todos nós. A paz que gera serviço ao outro. A paz que gera ação de inclusão social. A paz que se preocupa com a vida do próxima. A paz que não retem salários. A paz que não gera guerra. A paz que constroem pontes. A paz que acolhe todos e todas, indiferentemente de sexo, cor, religião. 
Maria! Mulher! Forte! Guerreira! Soube ouvir a voz de Deus e tudo guardou, e agiu sempre que foi preciso.
A Festa de hoje, nos lembra que nosso espírito se alegra em Deus, pois ele é o Senhor da vida.

"Alegrai-vos sempre no Senhor"!

Terceiro Domingo do Advento. "Permaneçamos firmes no caminho do bem".
A introdução do Ato Penitencial recorda que "a verdadeira alegria brota dos corações convertidos, cuja vida se deixa conduzir pelos ensinamentos de Jesus".
O evangelho, tirado de Mateus 11,2-11, nos traz uma anúncio da missão de Jesus diante de uma situação aparentemente desfavorável. 
Três personagens aparecem: João, seus discípulos e Jesus.
João está preso. Privado da liberdade por causa de sua pregação. Havia manifestado o erro cometido pelo rei. Sendo fiel à palavra de Deus não poderia omitir-se em denunciar. Para o profeta não cabe escolha. Ele deve sempre denunciar aquilo que não é conforme a palavra de Deus, custe o que custar, até mesmo a prisão (ou a morte).
A palavra de Deus não tem limites nem alcance. Mesmo preso, João recebe notícias do que está acontecendo. Bem certo, que seus discípulos levem até ele as notícias. Deveriam ter falado da manifestação pública de Jesus. Como na época, existiam muitos falsos profetas, João manda seus discípulos irem até Jesus e fazerem a pergunta: "É tu aquele que há de vir..."?
Jesus sabia que aqueles homens viam da parte de João. Deveria conhecê-los. Então, sabe qual resposta João esperava ter. Uma certa senha, ou contra-senha. João precisa ter a certeza de que seu trabalho estava completo, pois ele havia sido o mensageiro que preparou o caminho para a vinda de Jesus.
Jesus respondeu: "Ide contar o que estais ouvindo e vendo". Primeiro ponto. Os discípulo foram procurar uma resposta, e tiveram que fazer uma experiência: ouvir e ver. O que se vê? Como se vê? Quem vê assimila com o coração. Quem ouve, com a inteligência, o entendimento, a compreensão.
Os discípulos de João deixaram-se fazer a experiência de "ver" cegos recuperarem a vista; de surdos ouvirem; de paralíticos andarem; de leprosos curados; mortos ressuscitarem. E o mais importante, por isso deixado por último, "os pobres são evangelizados". E manda um recado para específico para João: "Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim".
"Os pobres são evangelizados". Certa vez, fui perguntado, "o que é evangelizar"? Então, hoje nos vem a resposta. É saber inserir dentro da sociedade excludente os que são os preferidos de Deus, cegos, surdos, coxos, mortos, leprosos. São estes que nos receberão no reino dos céus. São estes que estavam ao lado da manjedoura quando Jesus nasceu. Foram esses aqueles que ouviram a palavra de Jesus e lhe disseram, "a quem iremos, Senhor, só tu tens palavras de vida eterna" (Jo. 6,68).
Então, Jesus dialogo com toda a comunidade a respeito de João. Ele pregava uma nova forma de vida. Um novo jeito de relacionar-se. Não usava roupas finas, não estava entrincheirado nos palácios, não viva no meio dos poderosos. Ele havia sido designado para preparar a vinda de Jesus. E hoje, nós somos chamados a preparar esse caminho. Não nos palácios, não com roupas suntuosas, não com mesas fartas. Mas sim ao lado dos que nada tem a oferecer. Cegos, coxos, paralíticos, leprosos, mortos. Aos que estão excluídos de nossa sociedade. Aos que estão nos palácios vivendo com regalias as custas do sofrimento do povo. Aos que esbanjam, enquanto muitos estão morrendo à minguá.
No dia em que celebramos a alegria, somos chamados a ser promotores da Esperança, da Paz, do Amor de Deus por nós. 

Por isso, rezemos junto com o salmista, e digamos: "Vinde, Senhor, para salvar o vosso povo"!

sábado, 10 de dezembro de 2016

Nove anos de Ordenado

Aos Diáconos da Turma São Francisco de Assis
(2007)
São 9 anos de Ordenado. 12 anos de caminhada vocacional
Hoje fazemos nove anos de ordenados. Parabéns. Uma graça pastoral muito grande para as comunidades às quais servimos.
Neste dia, retomo o texto de Atos dos Apóstolos, capítulo sexto, dos versículos um ao sete para uma breve reflexão dessa caminhada.
Aparentemente, uma pequena divisão começa a surgir no meio dos discípulos. Nada estranho aos apóstolos que haviam passado por isso. Em alguns momentos, uns querendo ser melhores que os outros; e ainda os que queriam sentar-se ao lado de Jesus no reino.
A comunidade crescia. Agora, não somente judeus, mas pessoas de diversas outras nações começavam a juntar-se aos que criam em Jesus. Era preciso cuidar, pastorear aquelas pessoas. Era preciso acolher cada um e cada uma dentro da sua cultura e forma de se expressar religiosamente falando; além de falar a mesma língua. Aqui nasce a inculturação. É preciso falar a língua de quem ouve a Palavra de Deus (At. 2,6c.).
Os apóstolos reúnem a comunidade. Colocam que não é função deles servirem a mesa e descuidarem da pregação da Palavra de Deus. Então, decidiram propor a escolha de homens que pudessem fazer a ligação entre a Palavra e a Mesa. Entre a oração e a caridade. Entre a Eucaristia e o Serviço. E para isso, deram as características necessárias para a escolha dessas pessoas na comunidade. Que fossem “respeitados” (ou de “boa fama”), “repletos do Espírito”, e de “prudência” (ou “sabedoria”). Homens que a comunidade reconhecesse que vivam conforme a pregação dos Apóstolos.
Ser “respeitado”, ou de “boa fama”. Não significa estarem totalmente isentos de pecados. Mas homens que se reconhecem pecadores e necessitados da misericórdia de Deus. E que este pecado não os impede de falar e agir movidos pela graça do Espírito Santo.
Ser “repletos do Espírito”. Confiar sempre na providência de Deus. Acreditar que Deus age conforme seu Espírito anima. Crer que Deus age em todas as circunstâncias.
Ser “prudentes”. Não agir por medo humano, mas buscar a vontade de Deus em tudo o que acontece na comunidade. Ser capaz de entender o que precisa ser feito de acordo com a Palavra de Deus. Ser mais fiel a Deus do que aos homens.
Assim, irmãos, ao fazermos a meditação orante da palavra, aprendamos como o Senhor quer que sejamos. Deixemos o Espírito Santo agir em nós. Guiados pela Palavra de Deus e iluminados pelo Espírito Santo, estaremos sendo “respeitado, repletos do Espírito, e prudentes”.
Que Santo Estêvão nos abençoe nesse dia. Que São Francisco de Assis, padroeiro de nossa turma, nos faça cada vez mais solícitos à necessidade dos sofredores. Que São Lourenço nos inspire a ver nos pobres a riqueza de Deus e de sua igreja.

Amém!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

"Alegra-te, cheia de graça"!

Dia oito de dezembro celebramos a Solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. 
Mais do que falar sobre a concepção sem pecado de Maria. Mais do que falar sobre o dogma em si. Quero refletir com você sobre a profundidade das leituras bíblicas, principalmente a leitura do Gênesis e do Evangelho. Duas atitudes diferentes de um chamado de Deus.
No Gênesis vemos Deus em constante diálogo com os seres humanos, aqui representados por Adão e Eva. Um diálogo intrigante se olharmos mais de perto. Deus havia dado aos seres humanos de ter uma vida confortável. Uma vida envolta na graça divina diariamente. Sem maiores intercorrências. 
Mas a escritura lembra que Deus procurou Adão logo após ele ter comido do fruto da árvore que lhe havia sido pedido que não tocasse. É interessante neste ponto pois no lembra Jesus nos convidando a estarmos sempre vigilantes. Ele diz que o espírito é forte, mas a carne é fraca. Além disso, acrescentou que o dia do juízo virá em dia que menos se espera, portanto, devemos estar vigilantes sempre, em oração. E na oração do Pai Nosso rezamos, "e não nos deixeis cair em tentação...". 
Neste dia, é logo a primeira leitura que nos faz pensar sobre a nossa vida espiritual. Como estamos com a vida de Oração. Como vivemos nossa prática caritativa.
Em seguida, rola todo o discurso que já sabemos de cor. Mas uma coisa sempre me marcou nesse texto. Adão culpa a quem por ter comido o fruto? Claro que todos responde, "Eva". Mas se nos detivermos mais atentamente ao texto, veremos que não é correta essa reposta. Diz Adão: "A mulher que tu me destes por companheira..." (Gn. 1,12). Vejam, Adão diz a Deus que a mulher que Ele havia dado por companheira. Sempre temos a tendência em colocar a culpa em alguém. Adão diz que a "culpa" é de Deus, pois foi ele que havia dado aquela companheira. Aquela "mulher". Mas recordemos que Adão não vira em nenhum dos seres criados aquele que lhe era semelhante. Então, Deus formou de sua costela, de seu DNA, de sua célula tronco, um ser semelhante a ele. E Adão se agradou desse ser feminino.
Sempre procuramos culpados para os nossos fracassos fora de nós mesmos.
O evangelho (Lc. 1,26-38) nos brinda com uma das mais belas passagens da escritura, Deus em diálogo com o ser humano, com uma mulher. Dizemos, se por uma mulher entrou o pecado no mundo, por outra mulher nos veio a salvação (estou tomando emprestada a frase de Paulo: "se por um homem entrou o pecado no mundo, por outro homem, Jesus Cristo, veio a salvação).
Deus sempre se preocupou com a humanidade. Logo após a queda Deus preparou um plano de retorno ao paraíso, ao Reino de Deus.
Existem várias cenas dentro de uma mesma cena. Estas podem ser enxergadas a partir de vários ângulos. Existe uma região, Galileia; existe uma cidade, Nazaré; existe um ser humano, Maria; existe o divino, anjo Gabriel.
Partamos de Maria. Ela está situada no tempo e no espaço. Isso garante a Jesus uma descendência humana, uma linhagem. Uma ligação com a humanidade. Lembremos que no fim da primeira leitura, Adão nomeia a mulher de "Eva", pois é a mãe de todos os viventes. Maria passa a ser a mãe de todos os novos viventes. Viventes no espírito.
Haveria uma tristeza em Maria? Porque o anjo diz "alegra-te cheia de graça"? Percebamos, se estamos em graça, na graça de Deus, não podemos estar tristes. A tristeza não vem de Deus. Todos os que estão na graça de Deus estão alegres. A saudação causou estranheza a Maria. A alegria poderia transformar-se em temor, por isso o anjo avisa, "não tenhas medo, encontrastes graça diante de Deus". É assim que devemos encarar as surpresas de Deus em nossa vida, como "graça".
Em seguida, ele diz o que ocorrerá. Maria não é boba. Sabe como se dá a concepção. Por isso, é preciso a explicação do anjo. Guarda em pureza e castidade, ela reúne as condições necessárias para ser a mãe de Deus. A serpente quis que a humanidade se afastasse de Deus. Mas Deus nos quer sempre ao seu lado. Vejam, Deus colocou inimizade entre os seres humanos e o mal. Não é possível a convivência, pois "Deus é amor", e sendo amor, se somos feitos a sua imagem e semelhança, somos também amor. Maria é o símbolo máximo do amor humano a Deus. Quando amamos, buscamos fazer a vontade do outro, "faça-se em mim segundo a tua palavra".
Queridas e queridos, hoje celebramos a grande festa de fecundidade espiritual em nós. Ouçamos a voz do anjo. Deixemos Deus agir em nossa vida. Alegremo-nos, exultemos. Não tenhamos medo Deus está conosco, pois "encontrastes graça diante de Deus". Nosso pecado não pode ser maior que a nossa graça. A graça de Deus nos liberta, nos salva, nos conduz ao Reino de Deus.
Aprendamos a dizer "Faça-se". Agremo-nos. Vivamos confiantes em Deus, e não em nós mesmos como Adão e Eva fizeram.