domingo, 23 de setembro de 2018

Os cristãos enfermos

Do Sermão sobre os pastores, de Santo Agostinho, bispo

(Sermo 46,13: CCL 41,539-540)
(Séc. V)

Ao enfermo, diz o Senhor, não fortificastes (Ez 34,4). Diz aos maus pastores, aos pastores falsos, que buscam seu interesse, não o de Jesus Cristo. Aos que se alegram com as dádivas do leite e da lã, mas descuram totalmente as ovelhas e não cuidam das doentes. Parece-me haver diferença entre enfermo e doente – pois costuma-se chamar de enfermos os doentes; enfermo quer dizer não firme, e doente o que se sente mal.Na verdade, irmãos, esforçamo-nos de algum modo por distinguir estas coisas, mas talvez com maior aplicação poderíamos nós ou outro mais entendido e com o coração mais cheio de luz discernir melhor. À espera disto, para que não sejais privados em relação às palavras da Escritura, falo o que penso. É de se temer sobrevenha uma tentação ao enfermo que o debilite. O doente, ao contrário, já adoeceu por alguma ambição e por esta ambição se vê impedido de entrar no caminho de Deus, de submeter-se ao jugo de Cristo.Observai esses homens que desejam viver bem, já decididos a viver bem. São, no entanto, menos capazes de suportar os males do que fazer o bem. Pertence à firmeza do cristão não apenas fazer o bem, mas também tolerar os males. Aqueles, pois, que parecem ardentes nas boas obras, mas não querem ou não podem suportar as provações iminentes, estes são enfermos. Por outro lado, aqueles que amam o mundo e por qualquer desejo mau se afastam até das obras boas, jazem gravemente doentes, visto que pela doença, sem forças, nada de bom podem realizar.O paralítico era um destes, na alma. Os que o carregavam, não podendo levá-lo até junto do Senhor, descobriram o teto e fizeram-no descer. É isto que terias de fazer: descobrir o teto e colocar junto do Senhor a alma paralítica, com todos os membros frouxos, e vazia de obras boas, curvada sob o peso dos pecados e doente com o mal de sua cobiça. Portanto, se todos os seus membros estão frouxos e há paralisia interior para levá-la ao médico – talvez o médico esteja escondido no teu interior: seria este um sentido oculto nas Escrituras – se queres descobrir-lhe o que está oculto, descobre o teto e faze descer diante dele o paralítico.A quem assim não procede e desdenha fazê-lo, ouvistes o que lhe dizem: Aos doentes não fortalecestes, ao fraturado não pensastes (Ez 34,4); já explicamos esta passagem. Estava alquebrado pelo terror das provações. Mas surge algo que restaura a fratura, estas palavras de consolo: Fiel é Deus que não permitirá serdes tentados além do que podeis suportar, mas com a tentação vos dará o meio de sair dela para que a possais suportar (1Cor 10,13).

sábado, 22 de setembro de 2018

“Vinde benditos de meu Pai”!


Fé e política se misturam?!

Após o discurso de Jesus sobre ser o pão descido do céu; onde ele afirma que devemos comer de sua carne e beber do seu sangue para que tenhamos a vida, a partir do versículo 30 até o fim do capítulo 6 do evangelho de João, vemos as pessoas tendo que tomar uma decisão diante de suas das palavras. Muitos dos discípulos tomam a decisão de não mais seguir Jesus. O texto não deixa claro o porquê dessa decisão de abandonar Jesus.

Ao perceber que muitos começam a abandonar o caminho, Jesus volta-se aos apóstolos e pergunta se eles querem ir embora também. Pedro, tomando a palavra, diz: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o santo de Deus.

Ao reconhecermos que Jesus tem palavras de vida, e de vida eterna, observamos que Jesus gera vida, e essa vida começa aqui. Então, quais palavras de Jesus geram vida em nós?
Procuro inspiração nas palavras de Jesus para tomar decisões políticas, decisões religiosas, decisões?

Comer da carne e beber do sangue significa assumir na nossa vida, as palavras e gestos de Jesus. Viver como Jesus viveu.
Em dois textos distintos, vou partilhar o que penso sobre a vida eterna, e a vida aqui na terra. O primeiro, está em Mt. 25,31-46. O segundo, em Mt. 5,1-12.

Como diácono, a pedido da CNBB, devo estar próximo às dores do mundo. Dos pobres. Fazendo a opção preferencial pelos pobres (CNBB, doc 96, parágrafo 58), e pelas suas lutas e conquistas.

Sendo assim, leio a passagem de Mt. 25,31-45 da seguinte forma.

“Tive fome, me destes de comer”. Dar de comer não é apenas dar comida, mas é apoiar políticas públicas que deem emprego e salário digno para que as pessoas possam se alimentar. Que possam alimentar sua família. Que possam ter previdência social digna. Que possam estudar, que possam alimentar a alma tendo liberdade para viver sua opção religiosa, inclusive não tendo religião. Dar de comer é proporcionar ao outro uma vida digna.

“Tive sede, me destes de beber”. Dar de beber é apoiar políticas públicas que se preocupem com saneamento básico, e com o meio ambiente (Laudato si, Papa Francisco). Água gera vida. Água sustenta a vida. Na cruz, ao ser transpassado pela lança, do lado de Jesus jorrou sangue e Água. Essa água, junto com o sangue, gerou uma nova forma de relacionamento social.

“Estava doente, e cuidastes de mim”. Visitar (cuidar) doentes é preocupar-se com a saúde pública de qualidade, com gestão pública (não privada) do sistema de saúde. É valorizar os trabalhadores da saúde e manter hospitais equipados com tecnologia de ponta. Saúde não é mercadoria, não deve gerar lucro. Saúde é direito de todas e de todos, e dever do Estado.

“Estava na prisão, e fostes me visitar”. Visitar os encarcerados é garantir aos privados da liberdade condições dignas de se refazerem do delito cometido. Ter dignidade no tratamento dos presos. Uma política pública que garanta aos encarcerados saúde, educação, formação para o trabalho. Um sistema que garanta a dignidade da pessoa.
“Eu era forasteiro, e me acolhestes”. Acolher os que estão em situação de vulnerabilidade por serem expatriados. Apoiar políticas públicas que se preocupem com aqueles que hoje se encontra em situação de exílio. Refugiados. O povo de Deus viveu essa experiência. Jesus passou pela experiência quando teve que deixar sua terra e ir para o Egito (Mt. 2,19-23).

Essas são palavras que geram vida, e vida em abundância. Por isso Jesus declara que “todas as vezes que fizestes isso a um destes ‘mais pequenos’, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes”!

Viver as palavras de vida eterna é trabalhar para que tenhamos uma nova forma de relações sociais. Um novo mundo. Uma nova sociedade. Concretizar a “Civilização do Amor” (Paulo VI).

Estamos em momento de mudanças políticas e sociais em nosso país. Que saibamos escolher candidatos e partidos que tenham propostas que geram vida, e não sua supressão, em todas as suas instancias, desde a concepção até o seu fim.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Jesus viu-o, compadeceu-se dele e o chamou

Das Homilias de São Beda Venerável, presbítero

(Hom. 21:CCL, 122,149-151)

(Séc.VI)

Jesus viu um homem chamado Mateus, assentado à banca de impostos, e disse-lhe: Segue-me (Mt 9,9). Viu-o não tanto com os olhos corporais quanto com a vista da íntima compaixão. Viu o publicano, dele se compadeceu e o escolheu. Disse-lhe então: Segue-me. Segue, quis dizer, imita; segue, quis dizer, não tanto pelo andar dos pés, quanto pela realização dos atos. Pois quem diz que permanece em Cristo, deve andar como ele andou (1Jo 2,6).

E levantando-se, o seguiu(Mt 9,9). Não é de admirar que o publicano, ao primeiro chamado do Senhor, tenha abandonado os lucros terrenos de que cuidava e, desprezando a opulência, aderisse aos seguidores daquele que via não possuir riqueza alguma. Pois o próprio Senhor que o chamara exteriormente com a palavra, interiormente lhe ensinou por instinto invisível a segui-lo, infundindo em seu espírito a luz da graça espiritual. Com esta compreenderia que quem o afastava dos tesouros temporais podia dar-lhe nos céus os tesouros incorruptíveis.E aconteceu que, estando ele em casa, muitos publicanos e pecadores vieram e puseram-se à mesa com Jesus e seus discípulos (Mt 9,10). A conversão de um publicano deu a muitos publicanos e pecadores o exemplo da penitência e do perdão. Belo e verdadeiro prenúncio! Aquele que seria apóstolo e doutor dos povos, logo no primeiro encontro arrasta após si para a salvação um grupo de pecadores. Assim inicia o ofício de evangelizar desde os primeiros começos de sua fé aquele que viria a realizar este ofício plenamente com o merecido progresso das virtudes. Contudo se quisermos indagar pelo sentido mais profundo deste acontecimento nós o entenderemos: a Mateus foi muito mais grato o banquete na casa do seu coração, preparado pela fé e pelo amor do que o banquete terreno que ele ofereceu ao Senhor. Atesta-o aquele mesmo que diz: Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele e ele comigo (Ap 3,20).

Ouvindo a sua voz, abrimos a porta para recebê-lo, ao aceitarmos de bom grado suas advertências secretas ou evidentes e nos pormos a realizar aquilo que compreendemos como o nosso dever. Ele entra para que ceemos, ele conosco e nós com ele, porque, pela graça de seu amor, habita nos corações dos eleitos para alimentá-los sempre com a luz de sua presença. Possam assim os eleitos cada vez mais progredir no desejo do alto, e ele mesmo se alimente com os desejos deles como com pratos deliciosos.

domingo, 16 de setembro de 2018

Somos cristãos e pastores

Início do Sermão sobre os pastores, de Santo Agostinho, bispo

(Sermo 46,1-2: CCL 41,529-530)

(Séc. V)

Não é de agora que vossa caridade sabe que nossa esperança está toda em Cristo e que nossa verdadeira glória de salvação é ele. Sois do rebanho daquele que guarda e apascenta Israel. Mas por haver pastores que apreciam este nome, porém não querem exercer seu ofício, vejamos o que a seu respeito diz o Profeta. Escutai vós com atenção; escutemos nós com temor.

Foi-me dirigida a palavra do Senhor que dizia: Filho do homem, profetiza contra os pastores e dize aos pastores de Israel (Ez 34,1-2). Acabamos de ouvir a leitura deste trecho; resolvemos então falar-vos algo. O Senhor nos ajudará a dizer o que é verdadeiro, se não dissermos o que é nosso. Pois se dissermos o que é nosso seremos pastores a nos apascentar a nós, não as ovelhas. Se, ao contrário, dissermos o que é dele, será ele que vos apascenta por intermédio de quem quer que seja.

Assim diz o Senhor Deus: Ó pastores de Israel, que se apascentam a si mesmos! Acaso não são as ovelhas que os pastores têm de apascentar?(Ez 34,2) quer dizer, os pastores apascentam ovelhas, não a si mesmos. É este o primeiro motivo de repreensão a tais pastores, que apascentam a si e não as ovelhas. Quem são estes que se apascentam? O Apóstolo diz: Todos procuram seu interesse, não o de Jesus Cristo (Fl 2,21).

Quanto a nós, a quem o Senhor, por sua benevolência e não por mérito nosso, estabeleceu neste cargo de que teremos difíceis contas a dar, devemos distinguir bem duas coisas: a primeira, somos cristãos, a segunda, somos bispos. Somos cristãos para nosso proveito; e somos bispos para vós. Como cristãos, atendemos ao proveito nosso; como bispos, somente ao vosso.

E são muitos os cristãos não bispos que vão a Deus por caminho mais fácil talvez, e andam com tanto mais desembaraço quanto menos peso carregam. Nós, porém, além de cristãos, tendo de prestar contas a Deus de nossa vida, somos também bispos e teremos de responder a Deus por nossa administração.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

A glória e a exaltação de Cristo é a cruz

Dos Sermões de Santo André de Creta, bispo

(Oratio 10 in Exaltatione sanctae crucis: PG97,1018-1019)

(Séc.VIII)

Celebramos a festa da cruz; por ela as trevas são repelidas e volta a luz. Celebramos a festa da cruz e junto com o Crucificado somos levados para o alto para que, abandonando a terra com o pecado, obtenhamos os céus. A posse da cruz é tão grande e de tão imenso valor que seu possuidor possui um tesouro. Chamo com razão tesouro aquilo que há de mais belo entre todos os bens pelo conteúdo e pela fama. Nele, por ele e para ele reside toda a nossa salvação, e é restituída ao seu estado original.

Se não houvesse a cruz, Cristo não seria crucificado. Se não houvesse a cruz, a vida não seria pregada ao lenho com cravos. Se a vida não tivesse sido cravada, não brotariam do lado as fontes da imortalidade, o sangue e a água, que lavam o mundo. Não teria sido rasgado o documento do pecado, não teríamos sido declarados livres, não teríamos provado da árvore da vida, não se teria aberto o paraíso. Se não houvesse a cruz, a morte não teria sido vencida e não teria sido derrotado o inferno.

É, portanto, grande e preciosa a cruz. Grande sim, porque por ela grandes bens se tornaram realidade; e tanto maiores quanto, pelos milagres e sofrimentos de Cristo, mais excelentes quinhões serão distribuídos. Preciosa também porque a cruz é paixão e vitória de Deus: paixão, pela morte voluntária nesta mesma paixão; e vitória porque o diabo é ferido e com ele a morte é vencida. Assim, arrebentadas as prisões dos infernos, a cruz também se tornou a comum salvação de todo o mundo.

É chamada ainda de glória de Cristo, e dita a exaltação de Cristo. Vemo-la como o cálice desejável e o termo dos sofrimentos que Cristo suportou por nós. Que a cruz seja a glória de Cristo, escuta-o a dizer: Agora, o Filho do homem é glorificado e nele Deus é glorificado e logo o glorificará (Jo 13,31-32). E de novo: Glorifica-me tu, Pai, com a glória que tinha junto de ti antes que o mundo existisse (Jo 17,5). E repete: Pai, glorifica teu nome. Desceu então do céu uma voz: Glorifiquei-o e tornarei a glorificar (Jo 12,28), indicando aquela glória que então alcançou na cruz.

Que ainda a cruz seja a exaltação de Cristo, escuta o que ele próprio diz: Quando eu for exaltado, atrairei então todos a mim (cf. Jo 12,32). Bem vês que a cruz é a glória e a exaltação de Cristo.

Responsório

R. Ó Cruz gloriosa! De teus braços pendeu
o tesouro precioso e a redenção dos cativos.
* Por ti foi o mundo remido no sangue de seu Redentor.
V. Salve, ó Cruz, consagrada pelo corpo de Cristo,
por seus membros ornada, quais pedras preciosas.
* Por ti...