quinta-feira, 26 de outubro de 2017

“Vinde benditos de meu Pai” (Mt. 25,34)

Nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, existe uma meditação que fala do “sentir com a Igreja”. A nona regra diz que devemos “louvar os mandamentos da Igreja, tendo sempre o ânimo pronto para buscar razões em sua defesa, e, de nenhum modo, para ofendê-la”. E continua na décima regra afirmando que “devemos ser mais prontos para (...) apoiar e louvar as determinações, recomendações e costumes dos que nos precederam, pois ainda que não sejam ou não fossem dignos de louvor, falar contra eles geraria mais murmuração e escândalos que proveito (...)”.
Nos evangelhos encontramos duas situações que podem iluminar a nossa convivência religiosa nos tempos atuais.
No evangelho de João lemos a oração da unidade feita por Jesus. Ele pede ao Pai para que todos os que crerem nele possam formar uma comunidade unida, tal como ele e o Pai são um.
“Eu não te peço só por estes, mas também por aqueles que vão acreditar em mim por causa da palavra deles, para que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti. E para que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo acredite que tu me enviaste”. (Jo. 17,20-21).
O evangelista Marcos registra outra conversa de Jesus com seus apóstolos. Eles relatam a Jesus que encontraram alguém que expulsava demônios em nos de Jesus, mas não faziam parte do grupo deles. E contemplem a cena: “João disse a Jesus: Mestre, vimos um homem que expulsa demônios em teu nome. Mas nós lhe proibimos, porque ele não nos segue. Jesus disse: Não lhe proíbam, pois ninguém faz um milagre em meu nome e depois pode falar mal de mim. Quem não está contra nós, está a nosso favor”. (Mc. 9,38-40).
Jesus nunca rejeitou aqueles e aquelas que sempre fizeram o bem aos outros independentemente da origem da pessoa. Lembremos da história do Samaritano.
Tendo em vista esses fatos, a Igreja Católica, na década de 60 do século XX, realizou o Concílio Ecumênico do Vaticano II. Neste concílio, foram publicados três declarações sobre as relações da Igreja com as diversas manifestações religiosas no mundo. São elas, a “Unitatis Redintegratio – sobre o ecumenismo; Nostra Aetate – relações com as religiões não cristãs; Dignitatis Humane – sobre a liberdade religiosa”. Vejamos um breve resumo das introduções de cada uma delas.
Unitatis Redintegratio – sobre o ecumenismo: “são numerosas as comunhões cristãs que se apresentam aos homens como legítimas herança de Jesus Cristo.(...) O Senhor (...) começou a infundir nos cristãos separados entre si a compunção de coração e desejo de união. (...). Entre os nossos irmãos separados (...) surgiu um movimento em ordem à restauração da unidade de todos os cristãos. Este movimento de unidade é chamado de ecumenismo. (...) Aspiram a uma Igreja de Deus uma e visível. (...) Este sagrado Concílio considera todas essas coisas com muita alegria. Tendo já declarado a doutrina sobre a Igreja, movida pelo desejo de restaurar a unidade de todos os cristãos, quer propor a todos os católicos os meios, os caminhos e as formas com que eles possam corresponder a esta divina vocação e a esta graça”.
Nostra Aetate – relações com as religiões não cristãs: “(...) a Igreja examina muito atentamente a natureza das suas relações com as religiões não-cristãs. No seu dever de promover a unidade e a caridade entre os homens, ou melhor entre os povos, examina primeiro aquilo que os homens têm de comum, e o que os move a viverem juntos o próprio destino. (...) Os homens esperam, das diversas religiões, uma resposta aos recônditos enigmas da condição humana, que ontem como hoje perturbam profundamente o coração humano: Que é o homem? Qual o sentido e o fim da vida? Que é o bem e que é o pecado? Qual a origem e qual a finalidade do sofrimento? Qual o caminho para chegar à verdadeira felicidade? Que é a morte, o juízo e a retribuição depois da morte? Em que consiste o mistério último e inefável que envolve a nossa existência, do qual tiramos a nossa origem e para o qual nos encaminhamos”?
Ao falar das religiões não cristãs, a Declaração afirma que “a Igreja católica não rejeita nada que seja verdadeiro e santo nestas religiões. Considera com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas, que, embora em muitos pontos difiram do que ela mesma crê e propõe, não raro refletem um raio daquela Verdade que ilumina todos os homens. (...) Eis porque a Igreja exorta os seus filhos a que, com prudência e caridade, por meio do diálogo e da colaboração com os membros das outras religiões, e sempre dando testemunho da fé e da vida cristã, reconheçam, conservem e façam progredir os bens espirituais, morais e os valores socioculturais que nelas se encontram”.
E conclui, dizendo que “ nós não podemos invocar Deus, Pai de todos os homens, se nos recusamos a comportar-nos como irmãos para com alguns homens criados à imagem de Deus. (...) Rejeita-se o fundamento de toda a teoria ou modo de proceder que introduz, entre homem e homem, entre povo e povo, discriminações quanto à dignidade humana e aos direitos que dela derivam”. E afirma que “a Igreja reprova, como contrária à vontade de Cristo, qualquer espécie de discriminação entre os homens ou de perseguição perpetrada por motivos de raça ou de cor, de condição social ou de religião”.
Dignitatis Humane – sobre a liberdade religiosa: “a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa (...) todos os homens devem estar livres de coação, quer por parte dos indivíduos, que os grupos sociais ou qualquer autoridade humana; (...) em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido (...) de proceder segundo a mesma, em particular e em público. (...)  O direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana. (...) Este direito da pessoas humana à liberdade religiosa (...) deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito civil. (...) O direito à liberdade religiosa não se funda na disposição subjetiva da pessoa, mas na sua própria natureza”.
Não é a religião que salva, mas o amor com que tratamos o próximo. A caridade que nos impele ao outro. O amor com que tratamos aqueles que sofrem, independentemente da religião que professa.
O próprio Jesus disse, “‘Venham vocês, que são abençoados por meu Pai. Recebam como herança o Reino que meu Pai lhes preparou desde a criação do mundo. 35 Pois eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa; 36 eu estava sem roupa, e me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão, e vocês foram me visitar’. 37 Então os justos lhe perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber? 38 Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? 39 Quando foi que te vimos doente ou preso, e fomos te visitar?’ 40 Então o Rei lhes responderá: ‘Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram.’” (Mt. 25,34-40). Em nenhum momento ele disse que somente aqueles que o seguissem receberiam em herança o Reino de Deus.
Tudo o que for ensinado diferentemente disso, não é digno de crédito.
Deus nos abençoe.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

“Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt. 22,21b).

O evangelho de deste domingo, 22/10/2017, trata de quem vamos servir. A leitura desse texto me fez pensar em outra frase de Jesus, também do Evangelho de Mateus: “Ninguém pode servir a dois senhores. Porque, ou odiará a um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e às riquezas” (Mt. 6,24).
Muitas pessoas entendem de foram equivocada essas duas passagens. Partilho com vocês meu entendimento.
Primeiramente, os fariseus, os herodianos, e toda a cúpula do poder instituído, fosse ele civil (Rei), ou religioso (fariseus) queriam arrumar um pretexto para ele fosse preso.
Como não conseguiram que ele caísse pelas leis religiosas, tentaram pela vertente política, queriam que Jesus denunciasse a exploração do governo romano sobre Jerusalém.
Caso Jesus disse que não se deveria dar à Roma o que lhe era devido, ele seria acusado de subversão. Caso ele mandasse pagar a taxa imposta por Roma, ele estria ao lado dos que oprimiam (e oprimem) o povo mais pobre.
Uma tentativa e tanto. Dir-se-ia no jogo de bilhar, “uma sinuca de bico”.
O evangelista diz que Jesus conhecia o pensamento deles. Sabia que o queriam pegar numa armadilha. Aqui um parênteses. Se observarmos nossas palavras e atitudes hoje, veremos que fazemos as mesmas coisas. Em muitos grupos religiosos que se sentem contrariados em suas vontades, logo ouvimos dizer: “lá vem ele querendo mudar tudo”! Pessoas assim não são abertas à graça de Deus. Não compreendem de que Deus permite mudanças, desde que seja para o bem.
Diante daquela situação, Jesus então, conhecedor da moeda que era pago imposto, pergunta, “de quem é a figura e a inscrição nesta moeda”? Ouve a resposta: “De César”. Quer dizer, de Roma. Do poder opressor. Daquele que nos permite viver nossa religião, se continuarmos a pagar o imposto.
Na vida temos duas atitudes distintas: ou servimos a Deus, ou nos sujeitamos às leis de morte e pecado do poder constituído. A quem Jesus servia? Era a hora de mostrar que ele vinha de Deus. Era hora de mostrar a quem a humanidade pertence. Era hora dizer que somos de Deus, pois somos sua imagem e semelhança.
O que fazer, então? Vejam a saída fantástica. Devemos dar a Deus o que lhe pertence, a nossa vida por inteiro. O nosso coração. Viver as bem-aventuranças. As nossas forças. A nossa vontade (ou vontades). A nossa liberdade. A nossa memória. Nossa vida pertence a Deus. E a ele devemos restituir tudo. Tudo o que for de Deus, a Deus deve ser devolvido.
E o que temos que dar a César? Apenas uma moeda com uma figura impressa e algumas palavras. César não é nada diante de Deus. Um Deus que tirou o povo do Egito. Um Deus que conduziu o povo pelo deserto. Um Deus que alimentou esse povo. Um Deus que deu água para beber. Um Deus que caminhava ao lado do povo na Arca da Aliança. Deus caminha junto. César oprime o povo. Deus liberta. César escraviza. Deus ama. Cesar rouba. Em uma breve frase, Jesus desconcertou aqueles que o queriam lhe acusar de alguma coisa. E o pior de tudo, eram judeus tal como Jesus.
Abramos bem nossos ouvidos para a leitura de hoje. A quem estamos servindo, aos poderes desse mundo (que oprime, mata, sufoca, rouba), ou a Deus (que liberta, que abre os olhos e ouvidos, que faz coxos andarem, que quer instaurar uma mundo de paz)?
Sejamos honestos a nós mesmos, a quem estamos servindo, a César ou a Deus? Lembrando que servir a César e deixar que todo nosso egoísmo, prepotência, arrogância aflorem em nós. E seguir a Deus é deixar que os frutos do espírito aflorem em nós: “amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, lealdade, mansidão, domínio próprio” (Gal 6,22). E ainda, “os que pertencem a Jesus Cristo crucificaram a carne com suas paixões e seus desejos. Se vivemos pelo Espírito, procedamos de acordo com o Espírito. Não busquemos vanglória, provocando-nos ou invejando-nos uns aos outros” (Gal. 6,24-26).

Deus vos abençoe.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

“Os eleitos de Deus”

Santo Inácio de Loyola, em seus Exercícios Espirituais, nos fala de “exercícios de repetição”. O que isso quer dizer? Significa que podemos voltar a uma meditação feita no dia anterior, ou no mesmo dia do retiro, para tirar proveito daquela Palavra rezada. Junte-se a isso a seguinte instrução de Inácio que diz que “não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear as coisas internamente”.
Voltando à questão do evangelho de Mateus, 22,1-14; e mais especificamente ao versículo 12, onde se lê: “Amigo, como entrastes aqui sem o traje de festa”? Devemos saborear essa palavra com tudo aquilo que vemos na pregação de Jesus e dos apóstolos.
Volto a questão da roupa para se estar na festa do Reino dos Céus. Então, São Paulo ao escrever para a comunidade dos Colossenses, diz: “vistam-se de sentimentos de compaixão, bondade, humildade, mansidão, paciência. Suportem-se uns aos outros e se perdoem mutuamente, sempre que tiverem queixa contra alguém. Cada um perdoe o outro, do mesmo modo que o Senhor perdoou vocês. E acima de tudo, vistam-se com o amor, que é o laço da perfeição” (Col. 3,12-14).
Paulo apresenta com que veste devemos nos revestir para estarmos na festa para a qual fomos convidados no Reino dos Céus.
A roupa deve estar em função do outro, e não em função de mim de mesmo. “Amabilidade, humildade, modéstia, paciência”, são ações que dizem respeito ao outro, àquele que devemos perdoar como pedimos perdão para as nossas ofensas (lembra-se do Pai-Nosso?). E ele acrescentou, “perdoai-vos, se alguém tem queixa do outro; como o Senhor vos perdoou, fazei assim também vós”.
Então, estar com a veste adequado para a Festa do Reino dos Céus deverá ser o perdão, o amor. E um detalhe, quem perdoar, quem amar? Todos e todas. Pois, Deus não faz acepção de pessoas nem de denominação religiosa (ele faz o sol nascer sobre bons e maus – Mateus 5,45). Não devemos amar e perdoar somente aqueles que estão na nossa religião. Devemos amar até aqueles que são contra nós. Esse é o amor que Deus quer de nós.
Deus nos abençoe!

Diácono Gayoso

domingo, 15 de outubro de 2017

"Onde haverá choro e ranger de dentes"

Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 22,1-14: Naquele tempo: Jesus voltou a falar em parábolas aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo, 2dizendo: 'O Reino dos Céus é como a história do rei que preparou a festa de casamento do seu filho. 3E mandou os seus empregados para chamar os convidados para a festa, mas estes não quiseram vir. 4O rei mandou outros empregados, dizendo: `Dizei aos convidados: já preparei o banquete, os bois e os animais cevados já foram abatidos e tudo está pronto. Vinde para a festa!' 5Mas os convidados não deram a menor atenção: um foi para o seu campo, outro para os seus negócios, 6outros agarraram os empregados, bateram neles e os mataram. 7O rei ficou indignado e mandou suas tropas para matar aqueles assassinos e incendiar a cidade deles. 8Em seguida, o rei disse aos empregados: `A festa de casamento está pronta, mas os convidados não foram dignos dela. 9Portanto, ide até às encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrarde.'10Então os empregados saíram pelos caminhos e reuniram todos os que encontraram, maus e bons. E a sala da festa ficou cheia de convidados. 11Quando o rei entrou para ver os convidados, observou ali um homem que não estava usando traje de festa 12e perguntou-lhe: `Amigo, como entraste aqui sem o traje de festa?' Mas o homem nada respondeu. 13Então o rei disse aos que serviam: `Amarrai os pés e as mãos desse homem e jogai-o fora, na escuridão! Ali haverá choro e ranger de dentes'. 14Por que muitos são chamados, e poucos são escolhidos.'
Uma história fantástica. Uma história com elementos do nosso dia-a-dia, uma festa. Com tudo o que uma festa precisa ter. Boa comida, boa bebida. E convidados que são amigos do dono da casa, do dono da festa.
Mas essa história tem um quê diferente. Depois de tudo preparado, os “amigos” rejeitam a festa. O Rei, dono da festa, na nossa história, o próprio Deus, manda os serventes irem às encruzilhadas buscarem quem não faz parte da corte. Eles obedecem, e trazem bons e maus. Não é função do servo fazer distinção de pessoas. Todos estão na sala da festa.
Então, entra o Rei. O dono da festa. E observa que havia uma pessoa sem o traje de festa. E que traje era esse que lhe faltava?
Se estamos falando de Jesus. Se é uma parábola. Se é para falar de Deus e das coisas do Reino dos Céus, então essa “veste” tem que ter algum significado.
Vejamos. Jesus havia deixado um mandamento: “amai-vos uns aos outros”. Amar ao próximo é uma das “roupas”. É não fazer acepção de pessoas. É não discriminar. Nós, que somos os serventes, não devemos fazer acepção de pessoas. Devemos apenas amar.
Outra roupa é ser caridoso. Dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede; visitar doentes e presos. Acolher os peregrinos. Vestir os nus. A caridade é outra roupa que devemos nos revestir para ficar no salão da festa.
E por último, o perdão, a misericórdia. Tal como rezamos no Pai Nosso: “perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Agir com misericórdia com todas e todos. Jesus não disse que deveríamos perdoar alguma categoria de pessoas. Mas que deveríamos perdoar quem nos ofendesse.
Então, ao contemplarmos a cena dessa festa, pensemos nas nossas ações e com quais roupas estamos revestidos.

Deus nos abençoe.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

O MILAGRE DE UNIR VIDAS ESQUARTEJADAS

Rio, 12 de outubro de 2017.

Por: Padre Gegê

Desejo  em chave simbólica, cara à psicologia jungiana, no   milagre de Aparecida ocorrido há 300 anos atrás, sublinhar uma ocorrência extremamente importante, simbolicamente pensada, para a psique pessoal e coletiva do Brasil que, desde sua origem, patrocina a matança sistemática e o esquartejamento  de variados modos da população indígena,  negra e empobrecida. 
 No milagre de Aparecida os pescadores unem o corpo quebrado da imagem, isto é, reunem o que fora partido - o corpo da Negra Mãe.  Tal ocorrência faz lembrar a mitologia sapiencial egípcia que narra o trabalho da divindade Isis que parte para unir o corpo esquartejado de seu amado Osiris, morto por seu próprio irmão, Seth.
Ao unir o corpo despedaçado de Osiris, Isis restitui a VIDA. 
Resumindo, tanto em Aparecida quanto no referido mito de Isis,  a VIDA segue dependente da união das partes despedaçadas.  Desse modo, de forma especial a comunidade negra (mas não só), pode tirar precisosa lição dessas duas ocorrências, qual seja: assumir o trabalho coletivo de resgatar nossa história esquartejada , fazendo memória do que somos e temos, isso passa por lutar pelo ensino da história da Africa e do Negro no Brasil, e também pela promoção do diálogo e união com todos os coletivos que lutam por um Brasil justo e democrático. Em especial,  em nossas favelas, corpos negros não cessam de tombar; copos quebrados pelo poder do Capital e vidas esquartejadas pelo descaso estatal.  
Temos,  pois, uma grande tarefa de reunir corpos sistematicamente quebrados; e esse trabalho passa, necessariamente, pela organização popular. Se historicamente no Brasil as vidas negras sempre foram, de diversos modos, esquartejadas,  também alquebradas foram no passado e são no presente as Comunidades de Terreiros. Quebrar,  partir e esquartejar,  nesse contexto, significa querer  impedir e apagar a VIDA,  aniquilar a história e apagar a memória.
É tempo de unir nossas forças, é hora de darmos as mãos,  independente de crença ou religião. 
O modo de viver-pensar ou o ethos-favela nos ensina numa cognição insubmissa, revolucionária e desconcertante quando diz "É NÓS POR NÓS!".
Essa frase ou proclamação de união tem valor e significado ético,  político, comunitario, religioso, social,  filosófico e  pedagógico. 
"É NÓS POR NÓS" -  isso é um hino, um sonho, uma forma de ser, pensar e agir: é o princípio ético de nosso quilombismo urbano!!
Urge que reunamos também nossos sonhos esquartejados,  nossas utopias desarticuladas e nossas vidas partidas. O tempo exige partida,  saída e despojamento; o tempo exige que flexibilizemos nossas posições rígidas e destronemos nossos egos inflados. Que ninguem fique de fora ou na comodidade do lar e também que o medo nao nos paralise. E que nenhum 
religioso se contente em salvar apenas o seu rebanho, pois Deus não faz distinção de pessoas. A propósito,  para Deus a dignidade humana vale mais que templos ou doutrinas. O trabalho é de todos e todas. O tempo é agora! Lá fora há corpos,  vidas e sonhos esquartejados... 
Nossa Senhora da Conceição Aparecida,   Rogai por Nós!

Padre GEGÊ (Manguinhos/Higienópolis).

"Fazei o que ele vos disser"

Evangelho de Jesus Cristo segundo João 2,1-11: Naquele tempo: 1Houve um casamento em Caná da Galiléia. A mãe de Jesus estava presente. 2Também Jesus e seus discípulos tinham ido convidados para o casamento. 3Como o vinho veio a faltar,  a mãe de Jesus lhe disse: "Eles não têm mais vinho". 4"Mulher, por que dizes isto a mim? Minha hora ainda não chegou." 5Sua mãe disse aos que estavam servindo: "Fazei o que ele vos disser". 6Estavam seis talhas de pedra colocadas aí para a purificação que os judeus costumam fazer. Em cada uma delas cabiam mais ou menos cem litros. 7Jesus disse aos que estavam servindo: "Enchei as talhas de água". Encheram-nas até a boca. 8Jesus disse: "Agora tirai e levai ao mestre-sala". E eles levaram. 9O mestre-sala experimentou a água, que se tinha transformado em vinho. Ele não sabia de onde vinha, mas os que estavam servindo sabiam, pois eram eles que tinham tirado a água. 10O mestre-sala chamou então o noivo e lhe disse: "Todo mundo serve primeiro o vinho melhor e, quando os convidados já estão embriagados, serve o vinho menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora!" 11Este foi o início dos sinais de Jesus. Ele o realizou em Caná da Galiléia e manifestou a sua glória, e seus discípulos creram nele.
Hoje celebramos a Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, simplesmente, Nossa Senhora Aparecida.
O texto apresentado para essa solenidade é o das bodas de Caná, onde Jesus iniciou sua atividade apostólica, segundo João, com o milagre da água convertida em vinho. Em cada época da vida, ao lermos as passagens do evangelho, uma parte se destaca mais. Nesse ano, chamou-me atenção quando Maria diz “fazei o que ele vos disser”.
Eu me perguntei, o que foi que Jesus disse que fizéssemos?
A primeira coisa foi o que registra João Evangelista, “eis que vos dou um mandamento, amai-vos uns aos outros”. Em seguida, Mateus coloca na boca de Jesus as seguintes palavras: “tive fome, me destes de comer. Estava com sede, me destes de beber. Estava nu e me vestistes. Estava doente e preso e fostes me visitar. Era peregrino e me acolhestes”.
Ainda em Mateus, lemos as bem-aventuranças. Somos chamados a mudar de vida, vivendo de um outro jeito. Construindo novas relações humanas e sociais. Fazendo nascer a “civilização do amor”. E continuou Jesus, “dai-lhes vós mesmos de comer”.
E mais, ao subir aos céus deu a ordem de que todos partissem para anunciar a Boa Nova a todas as nações, ensinando-as a observar tudo o que ele havia dito.
Hoje, diante de tantos sinais de mortes que se apresentam diante de nós (perda de direitos trabalhistas; perda de direitos previdenciários; retorno à fome de muitos pobres; perda de confiança na política e na economia; vendo terras indígenas sendo expropriadas; a Amazônia sendo vendida; corrupção; escravidão trabalhistas etc), Maria, mãe de Jesus diz, "Fazei o que ele vos disser". Aprendamos a ouvir a voz de Jesus que está nos evangelhos. Ouçamos o que ele nos pede. Façamos a sua vontade para ouvirmos “vinde benditos do meu pai”.  E lembremos, “nem todo aquele que diz Senhor, Senhor entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus”.

Nossa Senhora da Conceição Aparecida, rogai por nós!