Rio, 12 de outubro de 2017.
Por: Padre Gegê
Desejo em chave simbólica, cara à psicologia jungiana, no milagre de Aparecida ocorrido há 300 anos atrás, sublinhar uma ocorrência extremamente importante, simbolicamente pensada, para a psique pessoal e coletiva do Brasil que, desde sua origem, patrocina a matança sistemática e o esquartejamento de variados modos da população indígena, negra e empobrecida.
No milagre de Aparecida os pescadores unem o corpo quebrado da imagem, isto é, reunem o que fora partido - o corpo da Negra Mãe. Tal ocorrência faz lembrar a mitologia sapiencial egípcia que narra o trabalho da divindade Isis que parte para unir o corpo esquartejado de seu amado Osiris, morto por seu próprio irmão, Seth.
Ao unir o corpo despedaçado de Osiris, Isis restitui a VIDA.
Resumindo, tanto em Aparecida quanto no referido mito de Isis, a VIDA segue dependente da união das partes despedaçadas. Desse modo, de forma especial a comunidade negra (mas não só), pode tirar precisosa lição dessas duas ocorrências, qual seja: assumir o trabalho coletivo de resgatar nossa história esquartejada , fazendo memória do que somos e temos, isso passa por lutar pelo ensino da história da Africa e do Negro no Brasil, e também pela promoção do diálogo e união com todos os coletivos que lutam por um Brasil justo e democrático. Em especial, em nossas favelas, corpos negros não cessam de tombar; copos quebrados pelo poder do Capital e vidas esquartejadas pelo descaso estatal.
Temos, pois, uma grande tarefa de reunir corpos sistematicamente quebrados; e esse trabalho passa, necessariamente, pela organização popular. Se historicamente no Brasil as vidas negras sempre foram, de diversos modos, esquartejadas, também alquebradas foram no passado e são no presente as Comunidades de Terreiros. Quebrar, partir e esquartejar, nesse contexto, significa querer impedir e apagar a VIDA, aniquilar a história e apagar a memória.
É tempo de unir nossas forças, é hora de darmos as mãos, independente de crença ou religião.
O modo de viver-pensar ou o ethos-favela nos ensina numa cognição insubmissa, revolucionária e desconcertante quando diz "É NÓS POR NÓS!".
Essa frase ou proclamação de união tem valor e significado ético, político, comunitario, religioso, social, filosófico e pedagógico.
"É NÓS POR NÓS" - isso é um hino, um sonho, uma forma de ser, pensar e agir: é o princípio ético de nosso quilombismo urbano!!
Urge que reunamos também nossos sonhos esquartejados, nossas utopias desarticuladas e nossas vidas partidas. O tempo exige partida, saída e despojamento; o tempo exige que flexibilizemos nossas posições rígidas e destronemos nossos egos inflados. Que ninguem fique de fora ou na comodidade do lar e também que o medo nao nos paralise. E que nenhum
religioso se contente em salvar apenas o seu rebanho, pois Deus não faz distinção de pessoas. A propósito, para Deus a dignidade humana vale mais que templos ou doutrinas. O trabalho é de todos e todas. O tempo é agora! Lá fora há corpos, vidas e sonhos esquartejados...
Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Rogai por Nós!
Padre GEGÊ (Manguinhos/Higienópolis).
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