Aproveito esta oportunidade para partilhar com vocês alguns frutos deste momento de intimidade com Deus no silêncio.
Queridas amigas,
Queridos amigos,
Partilho com vocês aquilo que Deus falou ao meu coração
durante o retiro canônico dos Diácono Permanentes em 2013, da Arquidiocese de
São Sebastião do Rio de Janeiro.
São reflexões pessoais. Não é um estudo bíblico. Não é
homilia. Nem exegese bíblica. É uma partilha daquilo que Deus foi falando ao
meu coração nestes dois dias.
Nosso retiro se iniciou com uma exposição sobre nossa
entrega a Deus.
Fé. O que é?
Exemplo de Abraão. Gn. 12. O
diálogo mais “esquizofrênico” da Sagrada Escritura. Como Deus pede para que um
homem com tudo estabelecido, parta para outra terra. Para reconstruir um povo.
Refazer tradições. Família. Em um lugar completamente desconhecido.
Mas ele confia em Deus. Isso é
ter fé de verdade. Muitas vezes, ficamos instalados em nossos grupos. No
conforto e segurança de nossas leis. De nossos costumes. Não queremos abandonar
carreira, cargos, vantagens, status, posição privilegiada dentro da comunidade.
Confiamos mais em nossas conquistas, do que na providência divina. Esta só
existe se for para confirmar minhas expectativas.
Abraão partiu para o
desconhecido. Deixou Deus assumir a direção de sua vida. Não temeu oferecer seu
filho, o único. Acreditou que Deus estava na condução de sua existência. Creu,
apesar da estranheza do chamado e da convocação. Um verdadeiro exemplo de
Vocação, pois “a vocação nos faz aderir à vontade do Senhor” (Dom Assis Lopes).
Portanto, não nos devemos “acostumar”
com nossa vocação. No meu caso, ao matrimônio e ao Diaconato Permanente. O
COSTUME é o chamado “demônio do meio dia”. Ele vem para destruir. O Costume nos
congela. Não nos deixa lançar-nos para águas mais profundas (cf. Lc 5,4). Faz
com que repitamos as coisas mecanicamente: “sempre foi assim”. Abraão deixou o
Costume de lado. Assumiu o chamado. Não colocou nada entre ele e Deus. Nem sua
vida, nem sua tribo, nem sua família, nem seu próprio filho. Não se deixou
acostumar com as coisas e com a vida. Teve a coragem de ir adiante. Assumindo
uma nova missão. Isto é colocar todo seu amor em Deus.
São Paulo nos lembrará: “quem
poderá nos separar do amor de Cristo?” (Rm 8,35a). O que pode nos colocar longe
deste amor? “Tribulação, angústia, fome, nudez, perseguição, perigo, espada?”
(Rm 8,35). Colocamos muitos muros e empecilhos para vivermos esse amor. Às
vezes, nossas justificativas são até plausíveis, incontestáveis. Mas não pode
haver nada entre eu e o amor que Cristo tem por nós.
“Se Deus está ao nosso lado, quem
estará contra nós?” (Rm 8,31b). Como podemos temer o chamado de Deus? É Deus
quem chama – “sai da tua Terra, do meio de teus parentes e casa de teu pai e
vai para a terra que lhe mostrarei” (Gn 12,1). E continua a escritura: “Abrão
partiu conforme lhe dissera o Senhor” (Gn. 12,4). Mas um detalhe nos surpreende
nesta leitura, Abrão tinha 75 anos de vida. Não era nenhum jovenzinho em início
de carreira e de vida. Ele poderia muito bem ter refutado ao senhor. Poderia
ter dito, chama meu sobrinho Lot que é mais novo. Como muitos de nós faríamos.
Mas não! Pegou as tralhas, deixou tudo, e partiu.
Este é o verdadeiro exemplo de
não colocar nada como barreira entre nós e o amor de Cristo. Pois Paulo afirma
que “tudo concorre para o bem dos que amam a Deus” (Rm 8,28). E Abrão demonstrou
esse amor. Abraão também é a imagem do Filho que assumi a missão do Pai, pois
foi escolhido para isso. Ainda usando Paulo, ele afirma aos romanos: “aos que
escolheu de antemão destinou-os a reproduzir a imagem de seu Filho” (Rm 8,29).
Assim, concluímos a primeira
noite de nosso retiro lembrando que “nada nos poderá separar do amor de Deus, manifestado
em Jesus Cristo” (Rm 8,39c).
Na manhã seguinte, enquanto
aguardava o horário da pregação, comecei a ler a Carta aos Romanos.
Verdadeiramente, Deus fala no
silêncio. Logo ao iniciar a leitura desta carta, deparei-me com a seguinte citação:
“tenho vontade de vos ver para (...) partilhar convosco o mútuo consolo da
nossa fé comum” (Rm 1,11-12). Esta palavra me fez ver a importância da
partilha. A fé não é alguma coisa individual, individualizante, pessoal. Ela
deve ser partilhada. Vivida em comunidade. Em grupo. A fé, apesar de ser um dom
pessoal, deve ser partilhada e vivida em grupo. Não se tem fé sozinho.
Paulo continuava no início desta
carta a dizer: “por meio dele (Cristo) recebemos a graça do apostolado, para
que todos os povos respondam com a fé em seu nome” (Rm 1,5). Todos somos
apóstolos para que os povos possam responder com fé ao nome de Jesus. Muitas
vezes, cremos que apenas os ordenados são chamados ao apostolado. Mas podemos
ser apóstolos em casa, no trabalho, no clube, na vida social. Cada um de nós é
chamado a ser apóstolo dentro de sua vocação específica na Igreja. Com o
Batismo, Crisma e Eucaristia, somos convocados, recebemos a graça do
apostolado. “Ai de mim se eu não evangelizar” (I Cor 9,16). Restaurados pelo
sacramento do Perdão, confortados no sacramento da Unção dos Enfermos,
colocamo-nos a serviço nos sacramentos do Matrimônio e da Ordem.
Concluindo esta espera, a Palavra
ainda foi dita: “muitas vezes me propus ir visitar-vos a fim de colher entre
vós algum fruto” (Rm 1,13). Paulo reconhece que, mesmo sendo apóstolo, ele
poderia receber alguma coisa daquela comunidade. Poderia aproveitar dos frutos
que ela estava dando. Não se fechou em si. Abriu-se a possibilidade do novo. Do
acolhimento. O apóstolo sabia que “um ouvido zeloso escuta tudo” (Sb 1,10).
O início da pregação da manhã
partiu do capítulo primeiro da Carta aos Coríntios. Nosso pregador se deteve,
principalmente, a partir do versículo dez, onde Paulo fala da divisão dentro da
comunidade. Quantas vezes nos encontramos divididos. Esquecemos que as riquezas
que recebemos tanto da palavra quanto do conhecimento, vieram de Jesus. Diz o
apóstolo: “Pois em Jesus é que vocês receberam todas as riquezas, tanto da
palavra quanto do conhecimento”. (1 Cor. 1,5).
Neste momento veio a mim a
leitura breve da oração das laudes. Tirada do livro do Profeta Isaías 1,16-18:
“Lavai-vos, purificai-vos, afastai
de meus olhos vossas más ações. Deixai de agir mal, aprendei a agir bem; buscai
o direito, levantai o oprimido; defendei o órfão, protegei a viúva. (...) Ainda
que vossos pecados sejam como púrpura, ficarão brancos como neve, ainda que
sejam vermelhos como escarlate, ficarão como lã”.
A divisão dentro da Igreja é uma
forma de má ação. Significa que queremos que nossas vontades sejam feitas. E
não a vontade de Deus. Deixamos de lado a invocação da oração do Senhor, “seja
feita a vossa vontade assim na terra como no céu”. A vontade de Deus em
primeiro lugar.
Ainda sobre a divisão, a passagem
de Ezequiel 36,24-28, que fora o cântico da salmodia, nos fala:
“Eu os aspergirei com água pura que
vos purificará: de todas as vossas imundícies e idolatrias vos purificarei. Eu vos
darei um coração novo e vos infundirei um espírito novo. (...) Eu vos
infundirei o meu espírito e farei que caminheis segundo meus preceitos (...)
pondo-os em prática. (...) Vós sereis meu povo e eu serei vosso Deus”.
Se fomos aspergidos pela água que
jorrou do lado de Cristo na cruz, estamos purificados. A água do Batismo,
aspergida sobre nós, nos faz homens de corações novos. Crismados e Ordenados,
recebemos o espírito de Deus. Portanto, não nos cabe a divisão. Imagine se a
Trindade Divina estivesse dividida.
A reflexão do terceiro dia iniciou-se
com a leitura do capitulo 2 do evangelho de Lucas.
Alguns versículos me chamaram a
atenção. Partilho com vocês, com ou sem comentários.
Diz o anjo aos pastores: “Não
temais. Dou-vos uma boa notícia”. Sendo boa a notícia, porque temer? Temiam não
pela notícia, mas pela forma como ela foi dada. Como dar uma notícia? Como
continuar surpreendendo com a Boa Notícia dos anjos? Uma boa notícia deve nos
causar espanto, surpresa. Estou sendo um bom comunicador desta “boa notícia”?
Estou causando espanto nas pessoas ao comunicar esta “boa notícia”?
“Ao ver isso, contaram o que lhes
haviam dito do menino. E todos os que ouviram isso se assombravam com o que os
pastores contavam”. (Lc 2,17-18).
Os pastores não guardaram para si
a notícia que receberam. Foram até o local informado. Chegando, contaram o que
havia acontecido. Foram anunciadores da Boa notícia. Somos portadores desta boa
notícia sempre? Assombramos as pessoas com nossa esperança? Somos portadores de
esperança? Ou achamos que não tem mais jeito?
“Maria conservava isso e meditava
tudo em seu íntimo” (Lc. 2,19 e 2,51b).
Aprendi com Maria, conservar no
íntimo as coisas que Deus vai realizando em nossa vida. Buscar sentido para as
coisas. Não ficar se lamuriando, perguntando por que Deus está nos castigando.
Deus quer falar com cada um de nós. Ele fala nos acontecimentos da vida. No
dia-a-dia. Aprendamos a ler os fatos com os olhos de Deus. Meditar, esta é a
ação central da passagem. Meditar é refletir no silêncio. Na intimidade. Quem
conserva alguma coisa é porque vê importância naquilo. Quantas coisas eu
conservo? Fotos, roupas, livros, cartões, objetos sem valor monetário. Isso porque
aquilo que nos remete a momentos felizes de nossa vida. Maria guardava as
maravilhas que Deus ia operando em sua vida. E mais, guardava num local onde
ninguém poderia tirar, na sede do afeto, o coração. Aquilo que nos afeta, ou
seja, que nos provoca afeto, carinho, amor, nós não esquecemos. E as coisas que
Maria ia experimentando de Deus, ela “conservava” no coração, e meditava.
Guardo as coisas de Deus com carinho? Ou vivo apenas por preceito e obrigação?
“Tenho de estar na casa de meu Pai”
(Lc. 2,49c)
Qual o lugar que devemos estar?
Jesus é bem claro, meu lugar é a “casa de meu Pai”. Mas como estar na casa do
Pai se devo estar na escola, no trabalho, no cinema, no teatro, na pastoral a,
b, c? O que significa estar na “casa do Pai”? Estar na “casa do Pai” é fazer
com que toda minha liberdade, minha memória, meu entendimento e vontade,
estejam direcionadas para Deus, cotidianamente, e não somente no período que
estou na Igreja. Isto é estar na “casa de meu Pai”.
Ainda no evangelho de Lucas,
meditando sobre o anúncio do anjo a Zacarias e Maria, refleti sobre as
respostas que damos a Deus. Disse Zacarias: “Que garantia me dás disso? (Lc.
1,18). E Maria: “Aqui tens a escrava do Senhor, que sua Palavra se cumpra em
mim”. (Lc. 1,38).
Duas maneiras de encararmos os
desígnios de Deus. Uma se coloca, se lança, não questiona, como Abraão. O
outro, fica na dúvida, Zacarias. ‘Tu deve tá de brincadeira, né?’; ‘Fala sério!’.
‘Logo eu, velho desse jeito?’ É assim que tratamos as revelações de Deus?
Achando que ele não seja capaz de fazer coisas extraordinárias pela sua
vontade? Colocamo-nos mais para fazer a nossa vontade do que a de Deus. Essa
foi a reação de Zacarias, mesmo sendo sacerdote do templo.
Maria, em sua simplicidade,
acatou a decisão e vontade de Deus. Não questionou como isso aconteceria.
Confiou. Deixou Deus agir livremente. Não colocou obstáculos. Sabia que quando
ele comunica alguma coisa, ele mesmo fará com que isso aconteça.
Esta foi a meditação final do
retiro. Foi o melhor fechamento. “Que resposta dou a Deus? A de Zacarias ou a
de Maria?” Esta pergunta não tem resposta. Ela deve ser meditada todos os dias.
Pois minha resposta ao Senhor é diária.
Irmãs e irmãos, este é um resumo
destes dois dias que passei em retiro. É claro que eu gostaria de ter tido mais
tempo para orar outras passagens que foram sugeridas. Mas, como retiro não é
estudo bíblico, nem aprofundamento de tema, e sim um encontro pessoal com Deus-Jesus-Espírito
Santo, acredito que Deus tenha me inspirado naquilo que ele pretende realizar
na minha dupla sacramentalidade e vocação: Matrimônio e Ordem.
Peço que continuem orando por
mim. Por minha família. Pelo meu ministério diaconal.
Encerro com a oração que aprendi
quando fiz os Exercícios Espirituais de Santo Inácio.
Tomai
Senhor, e recebei
Toda minha
liberdade,
A minha
memória também.
O meu
entendimento
E toda minha
vontade.
Tudo que
tenho e possuo,
Vós me
destes com amor.
Todos os
dons que me destes,
Com gratidão
vos devolvo:
Disponde
deles, Senhor,
Segundo
vossa vontade.
Dai-me
somente
O vosso
amor, vossa graça.
Isto me
basta,
Nada mais
quero pedir.
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