Lembro-me de que em outra passagem uma pessoa perguntava a Jesus
o que deveria fazer para entrar na vida eterna (Mateus 19,16ss). Naquela
oportunidade, Jesus lhe disse que deveria viver os mandamentos. Mas como os
judeus tinham muitos mandamentos, a pessoa lhe pergunta, “Quais”? Então, Jesus
recorre à parte do decálogo que está relacionado com a vivência comunitária,
com o outro. A vida eterna não se conquista sozinho. Ela esta intimamente
ligada às relações sociais.
Hoje, nos é proposto meditarmos sobre as Bem-Aventuranças. Sobre
o programa de vida para ser feliz. Como encontra a felicidade humana, tendo o
outro como parâmetro.
“As Bem-aventuranças não são uma doutrina, mas um estilo de vida, um modo de proceder”
(Pe. Adroaldo Palaoro,sj). Quer dizer, somos questionados sobre como queremos
viver. De que modo vamos nos relacionar com o “outro”. De que forma vamos nos
apresentar diante de Deus e dizer como vivemos nossa vida peregrina. “Em outras
palavras, o que Ele afirma é que a felicidade de cada um está em íntima
relação com a felicidade dos outros, com quem cada um convive” (Pe. Adroaldo
Palaoro,sj).
Pode-nos parecer que os enunciados das Bem-Aventuranças possam
soar como utópicas, idealistas, não possíveis de serem vividas no mundo real no
qual estamos inseridos. Porém, elas são uma proposta realista, revolucionária e
eficaz.
A dificuldade que alguns veem na vivência das Bem Aventuranças
está relacionada com as contradições, dramas e violências que vivemos nos
dia-a-dia. A mensagem de “humildade, de mansidão, de paz, de pureza, de misericórdia
nos parecem utópicas”; diria até impossível de se viver e praticar. Isso nos
incomoda. Construímos, e vivemos, uma realidade onde, muitas vezes, nos empenhamos
mais fomentar um mundo “arrogante, agressivo, violento, intolerante,
excludente, injusto...”.
“Temos resistências em escutá-las porque elas nos colocam de
novo frente à verdade para a qual nascemos, diante do mais original de nosso
coração e de nossas entranhas humanas. A ética de Jesus nas bem-aventuranças
encontra resistência para ser assumida por nós precisamente em virtude de sua
desconcertante humanidade”.
A simplicidade de como viver as bem-aventuranças nos incomoda.
Parece que estamos mais propensos a coisas mais grandiosas, a feitos mais
extraordinários do que a simplicidade. As bem-aventuranças nos impulsionam a
proclamar que “a paz é possível, a alegria é uma realidade, a justiça não é um
luxo, a mansidão está ao alcance da mão... Elas nos dizem que nascemos para a
bondade, a beleza, a compaixão...”.
“Ao
proclamar bem-aventurados os pobres, os que choram, os perseguidos, os
humildes... Jesus, certamente, jamais quis sacralizar a dor humana. Ele
constata a situação do povo, de pobreza, humilhação, submissão; percebe o
esforço que o povo faz para mudar a situação, e o proclama feliz nesta busca,
porque esta busca mora no próprio coração de Deus”.
“Aos olhos
de Jesus nada é mais perigoso para o espírito humano do que vidas satisfeitas,
acomodadas, sem desejos, sem a afeição das esperas e o desassossego das buscas;
corações quietos, indolentes, medrosos, covardes, petrificados, sensatamente
contentes com aquilo que são e têm”.
Portanto, “ser feliz é deixar viver a criatura livre, alegre e
simples presente dentro de cada de nós. A felicidade é, assim, o livre curso da
vida, o fluxo contínuo da Vida em nós que se entrelaça com a vida dos outros”.
“Bem aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino
dos Céus”. Todos aqueles que se despojam de seus bens materiais em detrimento
do outro. São capazes de dividir o pouco que tem. Não se apegam ao que o mundo
oferece como valor. São desprovidos de poder humano, confiam-se plenamente a
Deus. São descentralizados de si. Tudo repartem. Partilham, pois onde há
partilha, há lugar para todos, e todos são inclusos.
“Bem aventurados os que choram, porque serão consolados”. São
aqueles que padecem a injustiça de uma sociedade excludente. Os marginalizados,
os que não contam para um sistema econômico cuja base se assenta no consumo. O
Papa Francisco nos alertou sobre isso na exortação apostólica Evangelii
Gaudium, número 53: “...com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à
sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder
já não está nela, mas fora. Os excluídos não são ‘explorados’, mas resíduos, ‘sobras’”
(EG. 53). Choram todos os sofridos cujos sofrimentos são impostos pelo próprio
ser humano.
“Bem aventurados os mansos, porque receberão a terra por herança”.
Quem são os mansos? São todos aqueles que estabelecem relações alicerçadas na
não violência. Os mansos apresentam-se desarmados, sem preconceitos, sem
defesas. Eles acolhem o outro.
“Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão
saciados”. São aqueles que procuram ser justos e realizar a vontade de Deus.
Não é meramente praticar a justiça humana. São aqueles que buscam construir um
mundo mais humano, no qual todos possam viver com dignidade, mesmo que estejam
encarcerados.
“Bem aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”.
São os que se deixam mover pela compaixão. Neles o amor se concretiza em atos, colocam-se
em comunhão com o sofrimento alheio. Não apenas falam, agem. Fazem acontecer.
Aprenderam a fazer a hora acontecer. Estes alimentam os famintos, saciam a sede
dos sedentos, visitam os doentes e encarcerados, acolhem os peregrinos, os
idosos, os drogados, os sofridos de nosso tempo.
O misericordioso se descentraliza, o outro passa a ser mais
importante, colocam-se no lugar dos excluídos, daqueles que são a “sobra” da
sociedade. Vão ao submundo da existência humana. Por isso, têm a visão de Deus.
“Bem aventurados os que são perseguidos por causa da justiça,
porque deles é o Reino dos Céus”. Perseguidos por causa da justiça, não revidam
com o mal. Perdoam seus perseguidores; contribuem para extinguir o pecado do
mundo.
E por último, “bem aventurados os que são perseguidos”.
Perseguiram os profetas, que previam a vinda de Jesus. Perseguiram Jesus, tanto
o poder político como o religioso, os discípulos, em todos os tempos, serão
perseguidos. Ao abraçarem este estilo de vida, os discípulos de Jesus serão incompreendidos,
e por isso, perseguidos.
Optar pelo estilo de vida das bem aventuranças é arriscar a
vida. É arriscar não ser aceito. É colocar-se diante da justiça divina, e
tornar-se um outro Jesus no meio da humanidade.
Todos os que abraçam essa forma de viver, podem repetir com o
Papa Francisco: “A alegria do evangelho enche o coração e a vida inteira
daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são
libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento” (EG 1).
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